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sexta-feira, 21 de setembro de 2012

GOLPE MILITAR DE 1964 E O VEIO POÉTICO

Por Guaipuan Vieira
Em setembro de 1964, eu tinha 13 anos e acompanhava meu pai, o poeta Hermes Vieira (in memoriam),até a sede do DNERu( Departamento Nacional de Endemias Rurais, em Teresina -PI), Repartição pública onde ele trabalhava. Uma parada na condução, outra ali, logo chegávamos ao coração da Cidade Verde. Descemos na Praça Pedro Segundo, logradouro de comunhão da população, por se localizar o famoso Theatro 4 de Setembro, além do Cine Rex e do Bar Carnaúba, onde intelectuais buscavam subsídios para a crônica da cidade. Do lado nascente, a sede do Quartel da Polícia Militar estava tomada por tropas do exército. Seguimos na Avenida Antonino Freire. Logo nos aproximamos do Palácio Karnak, sede do governo do Estado, também sob guarnição do exército. À frente, avistamos a igreja de São Benedito, localizada na Avenida Frei Serafim. No alto da torre, um canhão apontava para a Praça Pedro Segundo. Meu pai falou baixo:“A coisa vai longe!”  Eu calado, observava a igreja fechada e o canhão ocupando o lugar dos sinos. Somente a cruz permanecia solitária, como em protesto àquele ato anticristão. Depois deste passeio histórico, em casa comecei a rabiscar num caderno, as ideias. Escrever um verso em protesto àquele Movimento Revolucionário, era o que eu queria. Uma rima ruim, outra pior, mas não perdia o forte das ideias. Estava determinado pelo sentimento de patriota, que manifesta seu pensamento, afinal era estudante do Colégio Domício Magalhães, que incentivava a cultura, no sentido de descobrir novos talentos. Continuei escrevendo, quando achava que tudo ia indo bem, eu mostrava ao meu pai, que lia e exclamava: está melhorando. Eu não ligava, puxava pela mente, ainda não tinha o domínio poético, rimava esporadicamente algumas coisas sem significância, porém meu pai incentivava-me e isso me enchia de orgulho. Era um aprendizado, afinal de contas, gostaria de apresentar à professora Mariquinha, que sempre lia poesias na sala de aula. Pronto, eu dizia a meu pai: - veja se este está bom! Eu, com o lápis na mão, esperava o aval dele. Olhava pra ele, e via-o  contando a rima nos dedos, nisso exclamou: “- É, tá bom, não vou mexer em nada, mas vá burilando, o verso é como um jogo de xadrez. Você vai trocando as palavras até encontrar a melhor rima e oração do verso. Ao término, deixe guardado. Não pode apresentar a ninguém. Vivemos num regime fechado, eles me conhecem e isso pode, de certa forma, comprometer seu pai”. Assim nasceu estas quadras simples, que lhes apresento, graças ao cuidado de meu irmão, poeta Uirapuan Vieira(Cariri do cordel), que achara na casa velha, num baú, o caderno com rabiscos de poesias, já deteriorado pelo cupim. Eis os versos:
 
A igreja está sem padre,
sem fiel e sacristão;
o exército tomou conta,
instalou sua guarnição.

                                 O exército está na rua,
                                 o povo ficou calado;
                                 só escreve pensamento
                                 pra depois ser publicado.

Teresina, 1964