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quinta-feira, 17 de julho de 2014

14 ANOS SEM O POETA HERMES VIEIRA

Republicamos gravação do youtube, de 1974, e texto do poeta e escritor Guaipuan Vieira, na passagem dos 14 anos de morte do poeta folclorista e indianista Hermes Vieira:

ÚLTIMA PROSA COM HERMES VIEIRA
        

Por Guaipuan Vieira(*)


Para Câmara Cascudo
Hermes jamais se encerra
"Transmite as mentes distantes
O feitiço de sua terra,
E de seu povo", acrescenta,
Ao poeta pé-de-serra.
     

Era domingo, 16 de julho de 2000. Naquele dia acordei mais cedo, ia me apresentar na TV Educativa, canal 5, em um programa popular. O sol da capital cearense despertava rápido e o céu estava mais azul. Um bem-te-vi cantava forte no galho da mangueira, um outro respondia de uma outra árvore, formando um dueto. Juntei as xilogravuras que havia terminado na noite anterior e um pacote contendo cordéis de minha lavra e segui à TV. A minha apresentação foi bem sucedida. Ao termino saí rápido. Tinha que visitar meu pai, poeta Hermes Vieira. Ele estava morando com uma irmã, no bairro Parque Araxá, na grande Parquelândia, próximo do centro da cidade. Mas uma intuição afastava-me daquela visita àquelas horas da manhã. Resolvi seguir para casa. Somente à tardinha com os filhos e a mulher, fui visitá-lo.
     Lá estava, calado em seu quarto, deitado em uma rede, aparentando saúde, mas atento aos acontecimentos do mundo, graças a um rádio de pilha, sintonizado em emissora com grade jornalística. Ao ouvir a minha voz exclamou: Puan! Conversamos bastante, falei-lhe da minha participação na TV, e de ter recitado um poema seu: O Flagelado. Ele manteve-se calado, era simples, sem vaidade. Logo puxou conversa sobre política. Posteriormente falou-me que sentia saudade do Piauí. Aquilo me soou como uma solicitação de retornar ao rincão natal. Disse-lhe que estava ministrando umas oficinas de cordel no Caic (Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente), logo que terminasse, aproveitaria também o período de férias da repartição pública e iríamos a Teresina. Ele apenas temperou a garganta e falou-me que tinha muita coisa para escrever, mas a falta da visão era um obstáculo. Não queria incomodar ninguém. Propus ser o copista e rapidamente acrescentou: não tem graça! Justificando que a produção poética é espontânea, mas quando deixa de ser oral, requer paciência e burilamento, como toda a arte, ser lapidada. Despedi-me na certeza que retornaria no dia seguinte(17), para tratarmos da publicação de seu terceiro livro: O CASAL - FANTASMA E PEQUENO DICIONÁRIO DA LÍNGUA TUPI, que guardado em um baú na casa grande, muitos capítulos foram destruídos, por conseqüência de umidade. Contudo, o poeta entre o silêncio das horas, que despertavam o novo dia, e o lugar à meditação, abraçava-lhe a imortalidade, enriquecendo muito mais a sua gesta nordestina, deixando-nos a saudade.

      Transcrevo texto da  ANTOLOGIA POÉTICA PIAUIENSE - J. Miguel de Matos. Editora Artenova. Ed.1974. Págs:157 a 164:
      Não seria, narrando em rápidas pinceladas a poesia folclórica de Hermes Vieira, que este autor olvidasse o sentido nativo dos versos do poeta de Valença, tendo no coração a imagem da terra natal, osculada no inverno pela água das chuvas que despencam do Céu fragmentadas e cristalinas, e abrasada nos estios pelos raios de fogo do sol.
E o soneto "
Piauí" saiu da forja do poeta, nestes versos que o coração não pode reter na sua sensibilidade e nos seus arcanos:

                         "Teus montes, as montanhas e as colinas;
                          Teus vales ubertosos,florescentes;
                          Teus campos matizados,sorridentes;
                          Teus brejos fabulosos de águas frias;


Teus rios, tuas fontes cristalinas;
Teus lagos pequeninos, transluzentes;
Teus bosques perfumados, viridentes;
Teus belos chapadões e as campinas;



Teus ricos e pomposos estendais
De flores e de frutos naturais;
De lindas borboletas multicores;



De ledos e canoros passarinhos,
São tudo para mim dourados ninhos,
São bálsamos que acalmam minhas dores!"
                  
     J. Miguel de Matos conclui: “Este é Hermes Vieira que Valença, pela data de Elesbão Veloso, deu ao Piauí. Um presente de raro valor, uma luminescência de ofuscante brilho, uma luz de embevecente claridade!”

    Um julho de 2012, o poeta e escritor Elmar Carvalho,também admirador da poesia de Hermes Vieira, ao consultar-me sobre a data de falecimento do poeta maior, respondi-lhe com este poema, publicado em seu Blog: Elmar Carvalho: Bilhete para Elmar Carvalho (*)

Ó poeta Elmar Carvalho,
Fico feliz com a lembrança
De meu pai Hermes Vieira,
Que versejou, com pujança,
O Nordeste brasileiro
E toda sua vizinhança.


Hermes nasceu em Valença,
Na fazenda Caiçara,
Em vinte e três de setembro,
Numa tarde muito clara;
Em mil novecentos e onze,
Seu registro nos declara.
  
Em 17 de julho
Na capital Fortaleza,
Pra ser preciso em 2000
Tivemos triste surpresa:
O mestre da poesia
Partia, deixando tristeza.


Naquelas horas silentes,
Como luto da natura,
Pra mansão celestial,
Foi-se sobre releitura
De seu verso e seu estilo
De métrica com rima pura.


Doze anos estão fazendo,
Que ele mudou de morada,
Mas seus versos são mais lidos,
E pela crítica estudada,
Entre nós está presente
Sempre é página folheada.


                                 Hoje, 17/07/2014, digo:


Não ouço há quatorze anos
Aquela rima brejeira
De um verso concatenado
Com a métrica verdadeira;
Porque partiu no silêncio...
O poeta Hermes Vieira.
  
Estes anos mais saudade
De meu mestre e pai amado
Que está no altar de cima
Com Cristo ressuscitado;
Porém hoje seu poema
É por todos nós lembrado.


Sei que é de seu agrado
Estas justas homenagens
Que seu rincão Piauí
Traduz em suas mensagens
Lembrando o velho poeta
Por onde fez as paragens.


(*) Membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel - ABLC, Cadeira nº 19, Patrono: Leonardo Mota.