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segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

BALA E ARTE
Cultura da prepotência e da arrogância

Saindo do mundo real, mas inspirados nele, artistas e escritores bebem na fonte das histórias de violência para construírem suas obras
19 Mai 2007 - 15h43min

"Você sabe com quem está falando?". Todos já devem ter ouvido - alguns, até, proferido - esta frase. Ela resume a prepotência e arrogância dos que se consideram acima das leis e donos da Justiça. Ela é tão presente no contexto da sociedade atual, que também foi transportada para a cultura popular. Os crimes políticos, os mandantes e os pistoleiros estão presentes em diversas obras literárias, músicas e cordéis. O antropólogo Roberto DaMatata diz que "o estudo do ´você sabe com quem está falando?´ mostra o conflito entre a hierarquia como valor e as normas modernas, impostas pelo Estado, que dizem que todos devem obedecer a lei". E é justamente neste limite que está o "poder" como essência, algo que os homens almejam e passam por cima de tudo para alcançá-lo. Com este enredo, muitas histórias foram contadas, com personagens diferentes e, muitas vezes, baseadas em fatos reais. "Todo o sertão nordestino/Assim como as capitais/Têm uma marca sangrenta/De assassinatos brutais/Que mesmo o tempo querendo/Não acabará jamais". Com esta estrofe se inicia o cordel "Mainha, o maior pistoleiro do Nordeste", de Guaipuan Vieira. Os versos prometem contar a história de Idelfonso Maia Cunha, o "Mainha", um dos pistoleiros mais temidos no Estado durante as décadas de 80 e 90, e que hoje está preso. "Estes crimes foram feitos/Pelo rei da pistolagem/Conhecido por Mainha/Homem de cruel bagagem/Pois descrevo sua história/No mundo da bandidagem", continua o cordel. O texto narra ainda as ligações entre Mainha e Francisco Diógenes, assassinado anos depois em Fortaleza em um acerto de contas, e os diversos crimes que ele é acusado de cometer, como dos ex-prefeitos de Iracema, Expedito Leite, e de Pereiro, João Terceiro Sousa. "O terrível pistoleiro/Que já quase era lendário/Já deixou de ser o mito/Hoje é presidiário", termina. O cordel, lançado em 1998, teve grande circulação e chegou ás mãos do próprio Mainha. Ele teria mandado um bilhete para o autor dos versos, pedindo uma resposta. Guaipuan, então, transformou a defesa do pistoleiro em versos. "Eu nunca fui pistoleiro/A todos posso provar/Se matei foi por vingança/Assunto particular/Pistoleiro que eu saiba/É pago para matar./Se eu fosse perigoso/Não teria sido preso/Pois cabra desta maneira/Tem olhar bem aceso/Tem ouvidos de tiú/Ninguém o pega indefeso". "O povo adora ler sobre pistolagem, sobre bandidagem. Esses são os cordéis que mais vendem", conta Guaipuan, que considera Mainha muito parecido com o cangaceiro Lampião. "Eles mexeram muito com o imaginário popular", diz. Os crimes políticos, a disputa de poder, também estão presentes em obras como de Guimarães Rosa e Jorge Amado. "Eles dão um tom lúdico à própria história do Nordeste. Os casos de coronéis, acerto de contas, bandidos como heróis. Tudo faz parte também da história real", afirma a socióloga Peregrina Capelo. (Vicente Gioielli)

Fonte: Jornal O POVO

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